Prazo começa a valer na semana que vem, mas médicos não acreditam que rede pública tem condições de cumprir a norma
A lei que fixa o prazo de 60 dias para o Sistema Único de Saúde dar início ao tratamento de pacientes com câncer entra em vigor na quinta-feira da semana que vem. O período começa a ser contado a partir da inclusão do diagnóstico no prontuário do paciente e vai até a cirurgia ou o início das sessões de quimioterapia ou de radioterapia. A regulamentação da norma foi apresentada ontem pelo Ministério da Saúde. Na avaliação de especialistas, a lei, apesar de bem-vinda, é difícil de ser obedecida no curto prazo. Estimativa apresentada ontem pela pasta (com defasagem de até dois anos) aponta que 78% dos doentes com câncer em estágio inicial já iniciam o tratamento em, no máximo, dois meses. Nos casos de tumor em estágio avançado, a taxa é praticamente a mesma: 79%. Em relação a crianças, o percentual chega a 95%.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Anderson Silvestrini, entretanto, esses números não representam a realidade. O médico cita um documento do Tribunal de Contas da União, com dados de 2010, que estima o tempo de espera em 70 dias para cirurgias e em 115 dias para o início da radioterapia, a partir do momento em que o paciente recebe o diagnóstico de câncer. “Creio que o dia a dia nos hospitais está mais próximo dos dados do TCU. Acho a lei um grande avanço, mas, agora, o problema está na falta de estrutura dos hospitais, como salas e médicos, para atender a demanda”, diz.
Presidente da Confederação das Santas Casas, que fazem parte do grupo de hospitais filantrópicos do país que respondem por 63% de internações oncológicas do SUS, Sérgio Spigolon também crê que será difícil cumprir o prazo estabelecido. “Algumas unidades da Federação, como o Distrito Federal, terão menos dificuldades para cumprir a lei, mas no Norte e no Nordeste não deve ser assim. Como cria obrigações, mas não oferece estrutura, acredito que o número de ações na Justiça aumentará”, avalia.
A aposentada Valmira da Silva Costa recebeu o pedido de biopsia de uma médica no Hospital Regional de Taguatinga em março de 2004 e, a partir de então, a saga de Valmira contra o câncer de fato começou. “Fiquei de março até julho apenas para conseguir o diagnóstico. Toda a vez que eu marcava a biopsia, me ligavam para desmarcar porque não havia médico ou não havia equipamento”, relata. Quando, finalmente, conseguiu o laudo que constatou o câncer de mama, a aposentada teve de passar por mais um período de agonia. “Foram mais de quatro meses para eu conseguir operar, de julho a novembro”, conta.
Valmira não teve de esperar para se submeter às sessões de quimioterapia e de radioterapia, mas, para ela, os 120 dias que teve de aguardar para a cirurgia foram de muito sofrimento. “Eu vivia à base de analgésicos, porque o tumor havia crescido bastante e estava muito dolorido. Fora isso, tenho três filhos que, na época, dependiam de mim”. Agora, Valmira está livre da doença e já passou pelo processo de reconstrução do seio.
DF no prazo
De acordo com o chefe de Cirurgia Oncólogica do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Gustavo Gouveia, hoje, no DF, só há fila de espera para tratamento de sarcomas, tumores gastrointestinais, de pele e de próstata, mas não ultrapasssa dois meses. Segundo a chefe da Gerência de Câncer da Secretaria de Saúde, Maria Cristina Scandiuzzi, também não há fila para quimioterapia ou radioterapia.
O ministro Alexandre Padilha informou que a prioridade, agora, é garantir o cumprimento da lei. Para isso, serão ampliados os investimento para a compra de equipamentos de radioterapia e medicamentos. Também está sendo criado o Sistema de Informação do Câncer (Sincan), que vai acompanhar, em tempo real, os pacicientes desde o diagnóstico até o início do tratamento. Estados e municípios que não instalarem o Siscan não receberão repasses para tratamento oncológico. Não há punição para quem não cumprir o prazo.
“Algumas unidades da Federação, como o DF, terão menos dificuldade para cumprir a lei, mas no Norte e no Nordeste não deve ser assim. O número de ações na Justiça aumentará”
Sérgio Spigolon, presidente da Confederação das Santas Casas
Números da doença -518 mil
Estimativa de novos casos de câncer em 2013
518 mil -Internações por câncer no SUS em 2012
R$ 806 milhões -Gasto com internações em 2012
Tipos de câncer com maior incidência
Mulheres Homens
1º — mama 1º — próstata
2º — colo do útero 2º — traqueia,
3º — cólon e reto brônquios
e pulmão
3º — cólon e reto
277- Unidades de saúde que fazem cirurgia oncológica, radioterapia e quimioterapia no país.
Sudeste (134)
Sul (63)
Nordeste (48)
Centro-Oeste (20)
Norte (12)
Correio Braziliense - 17/05/2013
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