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Direito do consumidor e decisões bumerangues

Decisão recente do STJ entendeu que o preço no pagamento à vista, em cheque ou dinheiro, deve ser igual àquele cobrado nas vendas com pagamento em cartão de crédito. Se o preço no cartão for mais alto, estará configurada prática abusiva para os fins do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Soa bonito. O mais provável, no entanto, é que, em vez de beneficiar os consumidores, tal decisão os prejudique; que os grandes beneficiados sejam as operadoras de cartão; e que os lojistas percam também. Tudo em um verdadeiro "efeito bumerangue".

Quando o consumidor realiza uma compra com cartão de crédito, a operadora de cartões pagará ao lojista o valor nominal da compra com algum atraso. A operadora também reterá uma comissão sobre o valor das compras. Suponha que a operadora leve um mês para pagar o lojista e que retenha uma comissão de 2%. Suponha, ademais, que haja uma compra de um bem por R$ 1 mil no dia 1º de janeiro. No caso da compra em dinheiro, o lojista recebe os R$ 1 mil imediatamente. No caso da compra com cartão de crédito, o lojista receberá R$ 980 da operadora de cartões de crédito apenas em 1º de fevereiro.

Agora, será que o valor econômico do recebimento à vista e no cartão é o mesmo? Obviamente que não. Todo mundo sabe que é mais vantajoso receber à vista que a prazo. O lojista, por exemplo, pode pegar R$ 1 mil que recebeu no dia 1º de janeiro e investi-los, digamos, em títulos do governo. Se a taxa de juros paga nesses títulos for de 1% ao mês, então o lojista terá, um mês depois, R$ 1.010. Se considerarmos, ademais, o desconto de 2%, então é fácil ver que um mês depois o pagamento à vista de R$ 1 mil vale R$ 1.010, mas o pagamento no cartão vale apenas R$ 980. Uma bela diferença de quase 3%!

Haverá desigualdade; os mais prejudicados serão os consumidores mais pobres, que não têm cartão de crédito

Mas pela decisão do STJ, o lojista terá que cobrar o mesmo valor nominal do consumidor em dois casos em que o valor econômico do pagamento é bastante diferente. O que provavelmente fará esse lojista? Depende de cada caso concreto, mas podemos aqui ilustrar com um exemplo plausível.

Suponha que antes da decisão do STJ o lojista vendesse 50 produtos a R$ 1 à vista em dinheiro, e 50 produtos no cartão a R$ 1.030,61. O lojista teria, um mês depois das vendas, a mesma receita com vendas à vista e no cartão: R$ 50.500 em cada um das duas modalidades de pagamento, para uma receita total de R$ 101 mil. A receita da operadora de cartões equivaleria a 2% das vendas no cartão, num total de R$ 1.030,61.

Ora, com as novas regras estabelecidas a partir da decisão do STJ, como teria que proceder o lojista a fim de atingir a mesma receita total (R$ 101.000) dentro de um mês? Como todas a vendas precisam agora ser feitas pelo mesmo preço, o lojista precisa escolher um preço intermediário entre os preços anteriormente praticados à vista e no cartão. Se o lojista continuasse vendendo 50 produtos à vista e 50 produtos no cartão, esse preço seria R$ 1.015,07. Ou seja, o consumidor que paga à vista pagaria um preço maior (R$ 1.015,07 em vez de R$ 1 mil) e o consumidor que paga no cartão pagaria um preço menor (R$ 1.015,07 em vez de R$ 1.030,61).

Mas a história não para aí. Pensemos: diante desse quadro, o que provavelmente farão os consumidores? A resposta, evidentemente, é que os consumidores tenderão a realizar mais compras com cartões de crédito. Afinal, eles só pagam a fatura do cartão dentro de um mês. Logo, preferem receber o produto no momento da compra e desembolsar apenas no futuro. Afinal, os consumidores podem deixar o dinheiro investido mais algumas semanas e receber a remuneração. (E há mais: quanto maior a inflação, tanto mais rentável essa alternativa do cartão de crédito). E esses consumidores não têm qualquer vantagem em pagar à vista.

E então: quando aumenta o uso do cartão de crédito, quem sai ganhando? Resposta: as empresas operadoras de cartões. São elas que cobrarão comissão em um número mais elevado de transações, pois mais consumidores considerarão vantajoso pagar com cartão. E as operadoras de cartões, ademais, terão menor pressão concorrencial sobre sua margem de lucro pois o custo será diluído nas transações com todos os compradores (e, por isso, talvez possam aumentar a comissão que cobram dos lojistas). Em síntese: são as operadoras de cartões os beneficiários diretos da decisão do STJ.

E isso não é tudo, porque o pressuposto de que a demanda dos consumidores não muda com o aumento do preço raramente se verifica na prática. Isso quer dizer, então, que o mais provável é que o lojista também tenha que reduzir suas vendas e que caia sua receita. Logo, lojistas também podem sair perdendo.

E os consumidores? Esses pagarão um valor mais alto nas suas compras. E atenção: quanto mais consumidores aderirem ao cartão de crédito, maior será a perda dos consumidores que compram à vista. Se imaginarmos que os consumidores que compram à vista (em dinheiro) são aqueles mais pobres dentro do grupo composto por todos os consumidores, então será verdade, também, que haverá uma desigualdade até mesmo dentre os consumidores: aqueles mais prejudicados serão os consumidores mais pobres, que não têm cartão de crédito.

Como se vê, em certos casos aplicar a lei com prudência significa fazer ponderações elementares sobre as prováveis consequências. Ou então, corre-se o risco de se chegar a resultados opostos àqueles desejados pelo legislador e inconsistentes com os propósitos constitucionais. E por que tantos órgãos de defesa de consumidores estão até agora comemorando a decisão do STJ? É algo que chega a ser verdadeiramente enigmático.

13/11/2015 - Fonte:  Valor Online 


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