A forte depreciação cambial ocorrida desde julho tem chegado de forma mais lenta e espaçada aos preços industriais no atacado nos últimos meses, movimento que sugere um repasse também mais fraco ao varejo daqui em diante. A avaliação é dos especialistas em inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Na edição de setembro do Boletim Macro, divulgada com exclusividade ao Valor, os economistas Salomão Quadros e André Braz concluem que "a transmissão do câmbio aos preços de insumos tem se dado a conta-gotas", e em ritmo mais modesto do que o observado nos primeiros meses deste ano, em função da fraqueza da atividade econômica. O Ibre estima que o Produto Interno Bruto (PIB) vai recuar 3% em 2015, trajetória que não deve melhorar em 2016, quando a economia deve encolher 2,1%.
Na análise, Quadros e Braz usaram a evolução, dentro do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), do subgrupo materiais e componentes para manufatura, excluindo alimentos. Esse índice reúne 85 insumos industriais usados na produção de bens de consumo duráveis e não duráveis e bens de capital e, por isso, é considerado pelos analistas como "passagem obrigatória" para todos os repasses originados na variação cambial.
Em março, quando o movimento de escalada do dólar estava em seu segundo mês e atingiu 20% no período, os insumos industriais subiram 0,80%. Em abril, os repasses aumentaram e o índice avançou 3,42%. Houve ainda um terceiro reajuste desses preços em maio - último mês em que a moeda americana custou menos de R$ 3 - de 1,93%. Nesses três meses, os materiais e componentes para manufatura acumularam avanço de 6,26%.
De julho até ontem, quando a cotação do dólar ante o real alcançou a máxima histórica de R$ 4,14, a depreciação cambial foi mais relevante, de 23,8%, mas nem por isso os insumos industriais aceleraram com mais força. Somando os índices de julho e agosto, notam Quadros e Braz, a alta desses itens não chegou a 0,20% no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). No IGP-10 de setembro, indicador mais recente divulgado pela FGV, a alta foi de 0,63%.
"Como a recessão só se aprofundou do primeiro trimestre para cá, isso está tornando as condições de repasse muito difíceis", avalia Quadros. O superintendente-adjunto de inflação do Ibre ainda observa que, na comparação de agosto com abril, o número de empresas industriais participantes do IPA que apontaram o câmbio como elemento deflagrador de reajustes caiu 43%. Para o índice de preços, são pesquisadas 1.767 indústrias.
Os alimentos derivados de commodities afetadas pelo câmbio, nos quais a transmissão da variação do dólar ao varejo ocorre de forma mais rápida, devem ganhar fôlego em setembro e outubro, dizem Quadros e Braz. Mesmo nesse grupo, porém, os economistas ponderam que, com a recessão e o acúmulo de estoques, é possível que os impactos do câmbio nos preços ao consumidor demorem um pouco mais para aparecer.
Se, no estágio intermediário, o repasse vem ocorrendo de forma mais branda aos bens finais no atacado, o mesmo deve ocorrer nos índices de preços ao consumidor. Nos cálculos do Ibre, cada 10% de desvalorização do real adiciona cerca de 0,5 ponto aos preços de bens finais ao produtor, excluindo alimentos in natura e combustíveis para consumo, que não respondem ao câmbio. Até chegar ao consumidor, o coeficiente de repasse é diluído pela incorporação de custos pouco influenciados pelo dólar.
Diante da impossibilidade dos agentes econômicos elevarem seus preços de uma vez em meio à recessão e da continuidade da depreciação do câmbio, os repasses devem se prolongar ainda mais no tempo, argumenta Quadros, e boa parte deles deve ficar para 2016.
O Ibre trabalha com alta de 9,4% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano, que pouco deve ser influenciada pelo câmbio. Para o ano que vem, no entanto, a expectativa de aumento de 6,4% do índice embute valorização adicional do dólar, que deve alcançar R$ 4,70 em dezembro de 2016.
Vinícius Botelho, pesquisador do Ibre e um dos responsáveis pelas projeções da instituição, explica que, como a maior parte da alta mais expressiva do dólar ocorreu neste último trimestre e há uma defasagem entre a variação do câmbio e seu repasse ao IPCA, o impacto maior deve ocorrer no ano que vem.
Além disso, o problema fiscal não será solucionado no cenário da entidade, o que permitirá que a moeda americana continue subindo em 2016. "Vemos mais depreciação cambial por piora de risco. Não tem por que esperarmos que o câmbio vá interromper sua trajetória de desvalorização", disse Botelho.
24/09/2015 - Fonte: Valor Online