Por Antonio Carlos Salla
Recentemente, a Receita Federal passou a notificar empresas estrangeiras de tecnologia que atuam na internet e com comércio eletrônico para explicar como é processado seu faturamento com negócios no Brasil e quanto recolhem de imposto. A iniciativa tem como objetivo alterar a tributação dessas corporações, que, segundo estimativas do governo federal, não é compatível com o volume faturado por elas em operações realizadas no país.
O sistema tributário brasileiro atribui a pessoas de direito público distintas a competência para instituir e exigir impostos sobre as vendas de mercadorias (competência dos estados, mediante cobrança do ICMS) e de serviços (competência dos municípios, com a cobrança do ISS).
A indefinição da natureza exata das facilidades colocadas à disposição do público por essas empresas trará insegurança jurídica e um número expressivo de demandas judiciais, a exemplo do que aconteceu com os serviços de provimento de acesso à internet. Nesse caso, os Estados, até poucos anos, utilizaram todos os meios jurídicos disponíveis para exigir dos provedores o pagamento do ICMS.
Apesar de o download caracterizar aquisição de cópias, o Senado interpreta sua disponibilização como prestação de serviços
Como exemplo de possíveis conflitos podemos mencionar a concessão de arquivos de áudio e vídeo. No passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a extração de cópias e a distribuição de obras cinematográficas em fitas cassete (outros suportes físicos seriam equivalentes) caracterizavam operação de comércio de mercadorias, sujeitando-se ao ICMS. No que diz respeito às obras musicais, sua distribuição na forma de discos ou CDs sempre foi sujeita também ao ICMS.
A distribuição dessas obras, independentemente de um suporte físico que as contenha, provavelmente causará novos conflitos de competência entre Estados e municípios. Prova disso é o Projeto de Lei do Senado nº 386 de 2012, que altera a Lei Complementar nº 116/03 e lista os serviços sujeitos à competência municipal. Entre as alterações propostas encontra-se a inclusão dos serviços de "cessão temporária de arquivos de áudio, vídeo e imagem, inclusive por streaming".
Apesar de o download dessas obras artísticas caracterizar verdadeira aquisição de suas cópias, o Senado Federal interpreta sua disponibilização como prestação de serviços. Essa interpretação opõe-se ao entendimento do STF. Ao apreciar casos de fornecimento de softwares de prateleira por download, o Supremo manifestou-se no sentido de considerá-lo como comércio de mercadorias. Segundo se verifica, o STF entendeu que a "mercadoria" pode ser um bem corpóreo ou não e, nessa medida, a permissão de baixa de software em caráter oneroso configura operação comercial e não de prestação de serviços.
Essa, portanto, é a uma das muitas dificuldades a serem superadas. Especificamente quanto às empresas estrangeiras, a definição do local onde os serviços são prestados e quem são seus efetivos compradores é essencial para que se possa submeter tais serviços à tributação.
A colocação dessas facilidades à disposição de usuários brasileiros pode ser realizada de qualquer local do planeta, não necessariamente a partir de plataformas tecnológicas fisicamente instaladas em nosso país. Ainda que haja a necessidade de algum aparato tecnológico, ele pode pertencer a terceiros - subcontratados para servir como "armazenadores de informações", "locadores de equipamentos" ou atividades similares que não se confundem com a efetiva colocação das facilidades à disposição do público.
Quanto aos contratantes dos serviços, a questão é ainda mais delicada. Os integrantes da rede social Facebook, por exemplo, são usuários dos serviços de interatividade propiciados por essa plataforma tecnológica. Se o usufruto dessas facilidades puder ser entendido como contratação de um serviço prestado no exterior, o PIS/Cofins, ISS, entre outros tributos, poderão ser cobrados. Todavia, deve ser estabelecida uma base de cálculo, pois a participação na rede social é gratuita.
Nessa hipótese, outras perguntas são pertinentes: a lei que estabelecesse essa base de cálculo seria constitucional? Quais são os parâmetros para aferição da utilidade posta à disposição? Os contratantes de espaço para "banners" e "portas" poderiam ser considerados como importadores de serviços prestados por essa rede. Porém, nesse caso, que serviços seriam esses? Deveriam esses contratantes ser considerados cessionários de softwares que permitem a criação de acessos, no Facebook, aos seus próprios sites? Seriam contratantes de serviços de propaganda? Os serviços consistiriam na locação de espaços para colocação de portas que permitem o acesso aos seus sites? Poderiam, ainda, ser interpretados como serviços de intermediação de negócios?
Percebe-se que retornamos à origem, ou seja, a insegurança jurídica hoje enfrentada pelas empresas nacionais seria igualmente imposta às estrangeiras. Estas são as principais lacunas a serem preenchidas por qualquer legislação que se proponha a estabelecer o tratamento tributário aplicável a essas atividades.
Fonte: Valor Online – 07.03.2014