(Do Sr. Nelson Marquezelli)
Susta a Portaria nº 186 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovado por despacho do Ministro do Trabalho e Emprego, de 10 de abril de 2008, publicada no Diário Oficial da União de 14 de abril de 2008.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Ficam sustados os efeitos da Portaria nº 186 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovado por despacho do Ministro do Trabalho e Emprego, de 10 de abril de 2008.
Art. 2º O Poder Executivo adotará as providências necessárias ao cumprimento deste Decreto Legislativo.
Art. 3º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Dispõe o artigo 49, incisos V e XI da Constituição Federal que, "é da competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, e de zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes". Acresça-se que esse poder regulamentar é rigidamente limitado pelos preceitos contidos no próprio regramento constitucional e sua transposição irá gerar, necessariamente, regras exorbitantes do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
No caso concreto em dissonância com a Constituição Federal e nosso ordenamento jurídico, foi baixada a Portaria nº 186, do Ministério do Trabalho e Emprego, publicada no Diário Oficial da União de 14/04/2008, estabelecendo regras para concessão dos pedidos de registro sindical e de alteração estatutária, e revogando a Portaria nº 343, de 04/05/2000, do mesmo Órgão.
Referida ordem, no entanto, inovou o ordenamento jurídico trabalhista, sendo contrária às disposições constitucionais que regem a organização sindical, ao trazer regras específicas acerca da constituição e do registro de federação e confederação, admitindo a pluralidade no campo federativo e confederativo.
Por esta razão se torna imprescindível a sustação dos efeitos da referida Portaria nº 186, tendo em vista a sua ilegalidade manifesta, uma vez que o sistema confederativo é reconhecido na Constituição Federal, artigo 8º, II, que dispõe sobre a vedação da criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, ou seja, também no grau superior das federações e confederações.
O mandamento que emana do artigo 8º, da Constituição Federal, assegura o princípio da unicidade sindical, o sistema confederativo da representação sindical e a não interferência e não intervenção na organização sindical. Para cumprimento desse preceito constitucional a Súmula 677 do STF atribuiu ao Ministério do Trabalho e Emprego a incumbência de outorgar a personalidade jurídica sindical da entidade, para fins de observância do princípio da unicidade sem, contudo, proceder a exame de mérito.
Dessa forma, sendo a matéria de organização sindical disciplinada pelo Direito do Trabalho, que é Direito especial, a Portaria ao dispor sobre novos procedimentos ali não previstos, exorbitou o poder regulamentador do Ministro de Estado, editando matéria reservada à lei e em contrariedade a dispositivos constitucionais.
A referida Portaria ao determinar "que os pedidos de registro sindical no Ministério do Trabalho e Emprego - MTE observarão os procedimentos administrativos previstos nesta Portaria", cria e estabelece normatividade de generalidade abstrata.
Também inaceitável é a criação, por meio de Portaria, de uma atribuição para o MTE atuar numa autocomposição, nos casos de impugnação de registro sindical, que conflita com o preceito de veda ao Poder Público a interferência e intervenção na organização sindical.
Ademais, descabe à Portaria trazer regras específicas acerca da constituição e do registro de federações e confederações, desprezando o critério da representação, e reconhecendo a pluralidade no campo federativo e confederativo, fato esse que fere o princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição), pois somente por meio de instrumento próprio seria possível essa tarefa, ou seja, mediante lei formal.
A Portaria , em seu artigo 21 , Parágrafo único não observa os regramentos jurídicos no Plano Confederativo , ao estabelecer que "As entidades de grau superior coordenam o somatório das entidades a elas filiadas, devendo, sempre que possível, sua denominação corresponder fielmente a sua representatividade", em flagrante dissonância com o comando dos artigos 535 e 577 da Consolidação das Leis do Trabalho , que dá representatividade as Confederações de representar todas as categorias em sua base territorial e , pior , estabelece nessa Portaria que as estas entidades apenas "coordenam" ( grifos nossos) o somatório de suas filiadas.
O artigo 13 da malsinada Portaria 186 do MTE, uma verdadeira aberração jurídica, notadamente nos §§ 7º, 8º e 9º, as partes sindicais serão compelidas a participar do procedimento de autocomposição - sob pena, inclusive, de perda de seu registro sindical - o que, inegavelmente, se traduz em ingerência e intervenção do Poder Público na organização sindical. Vale dizer, sem a observância ao princípio da unicidade e ao sistema confederativo de representação sindical, transformando o Ministério do Trabalho e Emprego em verdadeiro tribunal de decisão, rasgando a competência do Poder Judiciário nos conflitos advindos da representatividade sindical.
Fica cristalino a exorbitância do poder regulamentar do Ministério do Trabalho e Emprego, a que se refere o art. 49, V, da Constituição da República, e que não se resume simplesmente ao aspecto formal. O Poder Executivo também exorbita quando, embora pratique ato dentro de sua esfera de competência, viola princípios fundamentais da Constituição Federal.
Nesse sentido, o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal é revelador:
"A reserva de lei em sentido formal qualifica-se como instrumento constitucional de preservação da integridade de direitos e garantias fundamentais".
O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal.
O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua "contra legem" ou "praeter legem", não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)". Doutrina. Precedentes. (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Plausibilidade jurídica da impugnação à validade constitucional da Instrução Normativa STN nº 01/2005." (AC - AgR-QO 1033 / DF - DISTRITO FEDERAL - QUESTÃO DE ORDEM NO AG.REG. NA AÇÃO CAUTELAR - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 25/05/2006 Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação - DJ 16-06-2006 PP-00004 - EMENT VOL-02237-01 PP-00021)
Em seu voto, o Ministro CELSO DE MELLO expõe percuciente análise das limitações à função regulamentar do Poder Executivo, a qual, segundo essa ótica, deve ser posta em contraste com os direitos e garantias fundamentais: "Demais disso, cumpre reconhecer que a imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se efetive no âmbito estritamente administrativo, para legitimar-se em face do ordenamento constitucional, supõe o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do 'due process of law', assegurada à generalidade das pessoas pela Constituição da República (art. 5º, LIV), eis que o Estado, em tema de limitação de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira arbitrária.
Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer pessoa, física ou jurídica, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público - de que resultem como no caso, conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias (mesmo aqueles titularizados por pessoas estatais) - exigem a fiel observância do princípio constitucional do devido processo legal (CF, art. 5º, LV). A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade (pública ou privada), rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (...).
O princípio da proporcionalidade, implícito na ordem constitucional em vigor, é visto como faceta do due process of law em sentido material (art. 5º, LIV, da Constituição), como consta do seguinte julgado do STF:
"No tocante ao "caput" do já referido artigo 33 da mesma Medida Provisória e reedições sucessivas, basta, para considerar relevante a fundamentação jurídica do pedido, a alegação de ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal em sentido material (art. 5º, LIV, da Constituição) por violação da razoabilidade e da proporcionalidade em que se traduz esse princípio constitucional" (ADI-MC 1922 / DF - DISTRITO FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. MOREIRA ALVES - Julgamento: 06/10/1999 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação - DJ 24-11-2000 PP-00089 - EMENT VOL-02013-01 PP-00032).
Ressalto, ao final, que nada menos de 12 Confederações, quer seja de empregos, quer seja de trabalhadores, ingressaram no Supremo Tribunal Federal com Ações Diretas de Inconstitucionalidades - Adins 4120 e 4128, pedindo a suspensão imediata da eficácia da Portaria nº 186, de 10 de abril de 2008, do Ministro do Trabalho e Emprego. Com esses argumentos, confiando no zelo dos Membros do Congresso Nacional pela preservação de sua competência legislativa, em face do abuso normativo do Poder Executivo, é que oferecemos à consideração dos Senhores Congressistas o presente Projeto de Decreto Legislativo, principalmente para afastarmos poderes administrativos afrontadores de normas constitucionais e legais, contidos na Portaria nº. 186, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Sala das Sessões, em de setembro de 2008.
Deputado Nelson Marquezelli
PTB/SP